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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (2º e 3º Trimestre de 2023)

23 Abril 2024
Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (2º e 3º Trimestre de 2023)
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Súmula de Jurisprudência do Tribunal de Contas (2º e 3º Trimestre de 2023)

23 Abril 2024

Pretende-se, com a presente informação, apresentar uma síntese dos principais Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Contas – à semelhança do que fazemos em relação às decisões do Centro de Arbitragem Administrativa e, também, do Tribunal de Justiça da União Europeia –, descrevendo os factos, a apreciação do Tribunal, a respetiva decisão e analisando, ainda, qual o impacto que a mesma pode ter na determinação das condutas a adotar pela Administração Pública. Mantêm-se, assim, as nossas informações periódicas, também em matéria de Finanças Públicas, Direito Financeiro e Orçamental e de Contabilidade Pública.

1.
N.º DO ACÓRDÃO: 13/2023
RELATOR: Conselheiro Alziro Antunes Cardoso
DATA: 9 de maio de 2023
ASSUNTO: Recurso jurisdicional contra a concessão de visto ao contrato de empreitada

ENQUADRAMENTO

A questão que se coloca no recurso ordinário aqui em causa é a de saber se o interesse público subjacente à celebração do Contrato é colocado em causa se a Central de Baterias ficar concluída, não em 300, mas sim em 298 dias. Ou, de outro prisma, se estará o interesse público a ser prosseguido se a Empresa de Eletricidade da Madeira, S.A. (“EEM”) rejeitar a declaração negocial que proponha executar os trabalhos referentes à Central de Baterias em 298 dias.

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL

Começa o Tribunal por enunciar que, “[d]o teor das conclusões das alegações de recurso extraem-se as seguintes questões essenciais a dirimir:

  • Modificabilidade da decisão de facto (no sentido de ser aditado o teor da cláusula 9.ª, n.º 3, alínea d) do Caderno de Encargos);
  • Natureza (máxima ou perentória) do prazo de execução da empreitada previsto nas peças concursais e consequente validade ou invalidade da admissão da proposta objeto de adjudicação;
  • Caso se conclua pela invalidade da admissão da proposta, saber se tal conclusão viola os princípios da proporcionalidade e prossecução do interesse público.”.

Ora, quanto ao primeiro ponto, determina o Tribunal o aditamento da matéria de facto provada, considerando que ainda que não se incluísse a cláusula do Caderno de Encargos no elenco dos factos provados, isso não obstaria a que o Tribunal a analisasse, nomeadamente quanto à natureza do prazo de execução da empreitada, tal como alegado pela RECORRENTE, motivo pelo qual, o Tribunal decidiu deferir a pretensão da RECORRENTE e aditar à matéria de facto o teor da Cláusula em causa, por forma “(…) a poder formar-se um quadro global da factualidade a ponderar na decisão a proferir.”.

Quanto às restantes questões, supramencionadas, considera o Tribunal que “[é] a partir dos factos provados – nomeadamente do teor das peças concursais que estejam transcritas nos factos ou juntas aos autos (não sendo indispensável a reprodução do seu teor nos factos, conforme acima já se deixou expresso) – que o tribunal terá de ponderar e concluir se o prazo fixado para a empreitada é um prazo fixo ou apenas um prazo máximo, daí decorrendo o resto do enquadramento jurídico da ação.”.

Determina, assim, o Tribunal a eliminação do seguinte facto dado como provado:

3.1) Dispunha a cláusula 9.ª, n.º 3, alínea d) do Caderno de Encargos:

“3. O Adjudicatário obriga-se a:

(…)

d) Concluir a execução dos trabalhos e solicitar a realização de vistoria dos trabalhos para efeitos da sua receção provisória no prazo máximo de 300 (trezentos) dias de calendário, contados a partir da data da primeira consignação.”

No que à admissibilidade da proposta objeto de adjudicação concerne, – natureza (máxima ou perentória) do prazo de execução da empreitada previsto nas peças concursais –, determina o Tribunal que “[o] contrato objeto do processo deve ser qualificado como misto, englobando uma empreitada (construção e instalação de baterias) e uma prestação de serviços (manutenção das baterias pelo prazo de 10 anos), integrando o âmbito objetivo e subjetivo da fiscalização prévia (…).”.

Destarte, considera o Tribunal que a questão central do recurso em apreço é simples e concisa: “saber se o prazo de 300 dias para a execução da empreitada previsto nas peças concursais é um prazo fixo ao qual os concorrentes obrigatoriamente se devessem vincular ou, pelo contrário, se se tratava de um prazo máximo que os concorrentes não pudessem exceder, mas abaixo do qual pudessem prever executar a obra.”.

O Tribunal considera, em primeiro lugar, que a entidade adjudicante não poderia ter procedido como procedeu, na medida em que as duas propostas admitidas e graduadas deviam ter sido alvo de exclusão, quer porque o preço contratual seria superior ao preço base, quer porque violaria parâmetros base fixados no caderno de encargos ou condições que violam aspetos da execução do contrato a celebrar, e isso inviabilizaria a adjudicação a uma proposta que por motivos de interesse público devidamente fundamentados justificasse essa adjudicação em casos de preço contratual superior ao preço base, respeitados os limites previstos na lei.

No que ao critério de adjudicação concerne, constatou o Tribunal que o prazo de execução da empreitada não fazia parte dos elementos a ter em conta para a graduação e seleção das propostas, pelo que se tratava de aspeto não sujeito à concorrência.

Desta forma, e uma vez que a proposta apresentada mencionava que o prazo de execução era de 298 dias e não de 300 dias, considerou o Tribunal que a proposta alterou de facto um aspeto, mas não sujeito a concorrência, o que deveria ter levado à sua exclusão.

Acrescenta o Tribunal que, “[o] cerne da questão a apreciar prende-se apenas e tão só com a natureza do prazo de 300 dias previsto nas peças concursais – o tribunal a quo interpretou-o como sendo um prazo fixo, do qual os concorrentes não poderiam divergir sob pena de estarem a violar um aspeto não sujeito à concorrência; a recorrente defende a interpretação daquele prazo como sendo um prazo máximo, assim legitimando a apresentação pelos concorrentes de prazos diferentes, desde que menores, nas suas propostas, sem que tal leve à exclusão das mesmas.”.

O Tribunal discorre sobre a interpretação a dar ao prazo de 300 dias fixado, considerando que, quando conjugadas as cláusulas que se reportam ao prazo de execução de trabalhos, o elemento literal da interpretação aponta para que o prazo fixado pela entidade adjudicante o tenha sido por referência a um limite máximo e não a um termo fixo do qual os proponentes não pudessem divergir.

E, uma vez que também o elemento sistemático aponta nesse sentido, considera o Tribunal ser de concordar com a RECORRENTE no que diz respeito ao facto de esta notar que, sendo a componente principal do contrato em causa a empreitada e construção e instalação de baterias e reportando-se o prazo de 300 dias a tal componente, não faz sentido considerar essa componente, atendendo às especificidades e características de uma qualquer empreitada, como um prazo fixo e imutável, não admitindo que se termine a obra em menos tempo.

Desta forma, a interpretação lógica e consentânea será a de considerar que o prazo de 300 dias fixado pela entidade adjudicante seria o máximo no qual admitia que a obra fosse executada, não admitindo propostas que previssem um prazo maior, sendo irrelevante para si que esse prazo fosse inferior.

DECISÃO

Decide, assim, o Tribunal, no sentido de que a proposta alvo de adjudicação não violou qualquer aspeto da execução do contrato submetido à concorrência, não havendo, pelo exposto, motivo para a sua exclusão.

Desta forma, “[n]ão havendo qualquer motivo de exclusão da proposta objeto de adjudicação e, consequentemente, inexistindo invalidade do contrato celebrado, não subsistem os motivos que levaram à recusa do visto, devendo este ser concedido. (…) Do mesmo modo, não subsistem também os fundamentos que levaram à decisão de abertura de procedimento para apuramento de responsabilidade financeira, na medida em que não se descortina qualquer ilegalidade que tenha sido praticada.”

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Um prazo fixado pela entidade adjudicante, quando cumprido pela contraparte em menos tempo do que o previsto no contrato, não se enquadra numa situação de violação dos parâmetros base do caderno de encargos, nem viola qualquer aspeto de execução do contrato, nem determina a invalidade do mesmo, se da leitura da cláusula que prevê o prazo de execução se subentender (como foi aqui o caso) que o prazo estabelecido é o prazo máximo no qual se admite que a obra seja realizada, não sendo, obviamente, porque não previsto isso, relevante se executar num prazo inferior.

2.
N.º DO ACÓRDÃO: 15/2023
RELATOR: Conselheiro José Mouraz Lopes
DATA: 15 de maio de 2023
ASSUNTO: Recurso extraordinário de revisão para responsabilidade civil do Estado

ENQUADRAMENTO

Em causa no presente recurso extraordinário de revisão está, essencial e estruturalmente, a possibilidade de reparação de eventuais erros judiciários que possam ter configurado uma situação de injustiça, devendo os requisitos expressos e tipificados no artigo 696.º Código de Processo Civil (“CPC”), ser rigorosamente apresentados e demonstrados para que a força do caso julgado das decisões judiciais não seja posta em causa por fundamentos e argumentos que não os que aí estão explicados.

O fundamento de revisão apresentado, destina-se a pôr em causa a formação material das provas, ou seja, a incorporação e meios de prova no processo ou a realização de atos judiciais que tenham implicado sobre a matéria probatória. Exige-se, assim, um nexo causal entre o vício de falsidade alegado e o teor da decisão e impõe-se que o mesmo tenha sido suscitado durante o processo. A não suscitação do vício de falsidade e o teor da decisão no tempo devido, comporta a preclusão da sua invocação posterior.

APRECIAÇÃO DO TRIBUNAL

O Tribunal começa por fazer uma distinção entre os tipos de vícios de falsidade que poderão ser alegados, considerando que a falsidade judicial conforma a desconformidade entre o que é processualmente realizado/atestado pelo magistrado/funcionário judicial e aquilo que ocorreu no processo (falsidade ideológica) ou na alteração do conteúdo do auto, ata ou cota após a sua feitura (falsidade material).

No caso dos RECORRENTES, estes imputam uma falsidade ao ato do Magistrado do Ministério Público, por considerarem que atuou de forma desconforme entre o que “disse/alegou? E p que terá feito, nomeadamente com a junção de provas.”.

Desta forma, determina o Tribunal que “[a] intervenção inicial do Ministério Público, no processo de responsabilidade financeira, sustentada no requerimento inicial formulado (…), conforma uma intervenção a título de «parte» processual, não configurando, por si, um ato judicial.”. E, como tal, “é insuscetível de constituir fundamento para o recurso de revisão”.

Ademais, considera o Tribunal que da factualidade alegada resulta inequívoca que não houve, em momento algum, uma atuação do Magistrado do Ministério Público, no processo que desencadeou, no exercício das suas competências de impulso da responsabilidade financeira, nomeadamente nas provas documentais que fez juntar e que sustentaram o seu requerimento inicial, qualquer desconformidade com o que alegou ou mesmo ocorreu.

Conclui, assim, o Tribunal pela improcedência do primeiro fundamento alegado pelos RECORRENTES, na medida em que “(…) não resulta nem da alegação nem dos factos evidenciados a verificação de um qualquer nexo causal entre a alegada falsificação de ato e o resultado da decisão.”. E, acrescenta, relembrando, “a absoluta causalidade entre o acto/documento falsificado e as consequências para a decisão.”.

Relativamente à existência de novo documento de que os RECORRENTES não tivessem conhecimento, ou que não pudessem fazer uso e que por si só seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável aos mesmos, reitera o Tribunal que “[a] admissibilidade do recurso de revisão com base no fundamento tipificado no artigo 696.º, alínea c) do CPC apenas é sustentada nos casos em que haja um documento novo (no processo) e não tenha sido possível objetiva e subjetivamente à parte apresentar o mesmo a tempo de indeferir no resultado da decisão, sendo, além disso, necessário que, «por si só», o documento em causa seja de tal forma inequívoco (em termos de prova) que possa pôr em causa a matéria de facto provada e nesse sentido permitir uma alteração da decisão.”.

Relativamente ao fundamento para responsabilidade civil do Estado por danos causados aos RECORRENTES, considera o Tribunal que “o fundamento do processo de revisão envolvendo a situação em que a decisão a rever seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, implica, cumulativamente, que o RECORRENTE não tenha contribuído por ação ou omissão para o vício que imputa à decisão e ainda tiver esgotado todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar responsabilidade civil do Estado.”.

Acrescenta, o Tribunal, que nem sequer ficou demonstrado que os próprios RECORRENTES não tenham, por omissão, contribuído para um putativo vício que imputam à sentença, na medida em que ficou demonstrado todo o conhecimento da documentação em causa nos autos e a possibilidade que foi dada aos Requerentes de, em todo o processo, terem acesso àquela.

Conclui, portanto, o Tribunal que “[é] assim, absolutamente claro que, no caso e face à matéria de facto assente, não ocorre nenhum fundamento que permita concluir por um deficiente exercício da função jurisdicional, induzido, no caso pelo Ministério Público, do qual tenha resultado danos e que por isso sustente o alegado pelos recorrentes. Em consequência também este pretenso fundamento do recurso é improcedente.”.

DECISÃO

Decidiu o Tribunal pelo não provimento do recurso interposto, já que, não existindo qualquer erro identificado no processo de decisão judicial, nomeadamente induzido por qualquer ato de falsidade ou outros cometido pelos sujeitos processuais envolvidos, concretamente o Ministério Público, não há fundamento para um processo de revisão, que dê, eventualmente, origem a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional.

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Sem prejuízo de que um qualquer processo de revisão seja suscetível de originar responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, há que verificar, cumulativamente, se o sujeito passivo não contribuiu, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão e, ainda, se esgotou todos os meios de impugnação da decisão quanto à matéria suscetível de originar responsabilidade civil do Estado.

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Rogério Fernandes Ferreira
Vânia Codeço
José Pedro Barros
Álvaro Pinto Marques
Mariana Baptista de Freitas
Inês Braga Reigoto
Leonor Gargaté Oliveira
Bárbara Malheiro Ferreira
Alice Ferraz de Andrade

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