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Os Smart Robots e a Nova Capacidade Tributária Eletrónica

20 Fevereiro 2024
Os Smart Robots e a Nova Capacidade Tributária Eletrónica
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Os Smart Robots e a Nova Capacidade Tributária Eletrónica

20 Fevereiro 2024

O desenvolvimento da inteligência artificial e a passagem a mainstream dos designados smart robots desafia o sistema fiscal como o conhecemos, exigindo uma reflexão profunda sobre a adequação da sua estrutura à nova realidade. Exploram-se aqui os impactos da trajetória ascendente da evolução tecnológica e discute-se a atribuição de personalidade jurídica e de capacidade tributária dos robôs inteligentes. Motiva-se o debate acerca das eventuais soluções fiscais emergentes do avanço tecnológico e da automação.

O ENQUADRAMENTO

O avanço tecnológico, impulsionado pelos sistemas de inteligência artificial (IA) e pelos Smart Robots, confronta-nos com uma realidade em rápida transformação, tanto social quanto económica.

Estas mutações tecnológicas estão a reformular profundamente o mercado de trabalho, substituindo gradualmente a mão-de-obra humana por soluções automatizadas, fenómeno que coloca em evidência questões fiscais de suma importância: o desenvolvimento de Smart Robots conduzirá a desemprego tecnológico? Como se irão adaptar os sistemas tributários existentes a esta evolução?

A substituição do trabalho humano por aplicações de IA ou por robôs autónomos e inteligentes, poderá trazer consigo um aumento exponencial da eficiência, não obstante o impacto direto que terá na arrecadação tradicional da receita fiscal pública, particularmente aquela proveniente da mão-de-obra humana.

Existe, atualmente, a necessidade, premente, de reavaliar os conceitos tradicionais de “trabalho” e de “produtividade” no âmbito fiscal, à luz das novas dinâmicas introduzidas pela IA.

Assim, e de modo a manter a sustentabilidade dos modelos fiscais atuais, encontramo-nos perante um desafio que exige uma reflexão profunda acerca das estruturas, dos sistemas e das políticas fiscais, nacionais e internacionais, existentes, de modo a responder eficazmente às exigências que emergem desta nova era digital.

OS SMART ROBOTS E A PERSONALIDADE JURIDICA TRIBUTÁRIA

O impacto negativo, ao nível da receita fiscal, emergente da proliferação da inteligência artificial e dos denominados robôs inteligentes, não é uma questão meramente académica; esta querela é composta por profundas implicações fiscais, sobretudo no que tange à erosão potencial da receita fiscal.

É esta complexidade e problemática que levou à discussão sobre a viabilidade de atribuir personalidade jurídica aos robôs, proposta motivada, a princípio, pela necessidade de clarificar questões de responsabilidade, mas que rapidamente se revelou de inequívoca relevância no âmbito fiscal.

Com efeito, a atribuição de personalidade jurídica aos robôs inteligentes propõe-se como uma solução potencialmente eficaz para os enquadrar enquanto sujeitos passivos de imposto, confrontando-nos, muito embora, com desafios sem precedentes, particularmente no que respeita à sua autonomia e capacidade de ação.

Este debate transcende, porém, a mera classificação jurídica, inscrevendo-se num contexto mais vasto que contempla dimensões éticas, políticas e económicas. A possibilidade de considerarmos os robôs inteligentes como sujeitos passivos de imposto coloca-nos questões, intrincadas, sobre a natureza dos direitos e deveres que lhes poderiam ser atribuídos. Ademais, a complexidade destas questões é ainda exacerbada pela necessidade de adaptar o quadro jurídico-tributário às novas realidades (económicas e sociais) emergentes, uma tarefa que desafia a praxis convencional e suscita uma abordagem, inovadora, que reconheça todas as particularidades desta nova realidade.

Não obstante a possibilidade de conferir personalidade jurídica a entidades não humanas, tal não implica que, de forma automática, possa ser atribuída aos smart robots personalidade tributária, pois a capacidade para ser considerado sujeito passivo de obrigações tributárias depende de critérios que transcendem a mera existência de personalidade jurídica, incidindo sobre capacidade económica e possibilidade de imputação de um património autónomo.

Por conseguinte, a questão central não reside tanto na atribuição de personalidade jurídica per si, mas, sim, na identificação de uma base, económica, que justifique a sujeição passiva tributária. E se esta abordagem sugere uma reflexão crítica sobre o conceito de capacidade contributiva, que não deve ser vista como uma decorrência, automática, da personalidade jurídica, mas como manifestação de uma capacidade económica suscetível de tributação, alinha-se também com o princípio segundo o qual o direito fiscal deve priorizar a substância (económica) sobre a forma (jurídica), um princípio que se afigura particularmente pertinente no contexto da inteligência artificial e dos robôs inteligentes.

A problemática da tributação das “entidades” tecnológicas coloca, assim, em relevo a necessidade de um quadro jurídico que possa acomodar as peculiaridades destas novas realidades. A possibilidade de reconhecer personalidade tributária passiva a robôs inteligentes, a entidades de inteligência artificial, condicionada pela capacidade de gerar rendimentos, ou de possuir um patrimônio, desafia, assim, os paradigmas tradicionais e exige uma abordagem também ela inovadora e que considere os avanços tecnológicos e as suas implicações económicas.

Assim, a determinação de capacidade contributiva passiva dos smart robots implicará necessariamente um exercício de equilíbrio entre a justiça fiscal e a inovação tecnológica, um desafio que nos convoca a repensar os fundamentos do nosso sistema jurídico-tributário neste século XXI.

A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ELETRÓNICA DOS SMART ROBOTS

Como vimos, a transição para uma economia cada vez mais automatizada é realidade incontornável e que nos conduz a novos desafios, a par da revolução industrial, no século XIX. A substituição do homem pela máquina, ou, ainda, a alteração do tecido laboral pela digital divide, implicará a diminuição das receitas fiscais do Estado, e, simultaneamente, um acréscimo de prestações sociais, causado pelo aumento do desemprego e pela substituição do homem pela máquina.

É na necessidade de corrigir tais desequilíbrios e de mitigar essas perdas que surge a primeira proposta de tributação dos robôs, responsáveis pela eliminação de postos de trabalho (a denominada “robot tax”), uma ideia que, embora tenha sido rejeitada pelo Parlamento Europeu em 2017, já se encontra em vigor na Coreia do Sul. (Resolução do PE 2015/2103 INL).

Neste âmbito, é imperativo definir quem será o sujeito passivo do novo imposto. Inicialmente, em nossa opinião, poderia recair sobre o proprietário do robô, não obstante perspetivarmos que o próprio robô — considerado uma "entidade autónoma e inteligente" com capacidade e, possivelmente, personalidade jurídicas — possa assumir essa responsabilidade. Contudo, a metodologia exata para a efetivação desta tributação permanece questão aberta e sujeita a debate.

Será, portanto, inevitável, um escrutínio mais rigoroso sobre as bases legais e práticas da nova tributação dos robôs numa era de transformação digital e industrial contínua. A proposta abre o caminho para as inovações no direito fiscal, mas também exige adaptações nas estruturas legais e económicas para acolher as mudanças que a automação traz para a sociedade e para a economia global e a sociedade em geral.

OS DESAFIOS E AS SOLUÇÕES FISCAIS: UM FUTURO INCERTO

Em face do exposto, impõe-se equilibrar a neutralidade fiscal com incentivos direcionados. A neutralidade fiscal poderia garantir um campo de jogo, equilibrado, entre mão-de-obra humana e os robôs, evitando distorções no mercado de trabalho. Os incentivos fiscais para a manutenção ou a contratação de trabalhadores humanos poderiam ser contrapeso à tendência da automação. Paralelamente, parece-nos surgir como solução potencial a imposição de um aumento dos impostos sobre as empresas que se beneficiem, exclusiva e predominantemente da automação, sem a utilização de mão-de-obra humana (compensar-se-ia assim o impacto social do desemprego tecnológico, embora deva ser cuidadosamente calibrada para evitar desincentivar a inovação).

Solução alternativa, poder-se-ia encontrar na emergência de um novo rendimento mínimo garantido como salvaguarda dos trabalhadores humanos afetados pela automação. Este RMG poderia fornecer uma rede de segurança para aqueles cujos empregos foram substituídos pela tecnologia, garantindo um padrão, mínimo, de vida e mitigando as tensões sociais. Contudo, levanta questões de sustentabilidade financeira e efeitos sobre a motivação para o trabalho.

Outra abordagem concebível, poderia centrar-se na tributação direta do uso dos smart robots, atribuindo-se um rendimento, imputável aos robots, sujeito a imposto sobre o rendimento, mas na esfera do seu proprietário, incentivando um uso ponderado da automação. Por outro lado, poder-se-ia sujeitar ainda, tal rendimento imputável aos robôs, a contribuições para a segurança social, promovendo o equilíbrio face à diminuição dos trabalhadores (humanos).

Num primeiro estádio, também se pode equacionar um imposto baseado no rácio entre as receitas e o número de trabalhadores humanos e, num segundo, a imposição do imposto diretamente sobre o robô, refletindo uma capacidade contributiva eletrónica - esta medida, embora inovadora, levanta questões complexas sobre a personificação fiscal de entidades não humanas.

Outra eventual solução fiscal - esta semelhante aos impostos aplicados a carros, barcos ou aviões – seria a de criar um imposto novo sobre a propriedade do smart robot na esfera do seu proprietário. Na prática, um imposto (tributação autónoma?) com uma taxa anual conforme o valor e a capacidade do “equipamento” - tal imposto conduz a alguma simplicidade administrativa, não obstante necessitar de avaliação cuidadosa, para não desincentivar, simultaneamente, os investimentos na inovação tecnológica.

Por fim, poderia ainda sugerir-se a criação de uma taxa compensatória pelo uso de robots. Esta taxa, funcionando como uma licença de uso, seria proporcional à capacidade, ou ao tempo de uso, do robô. E o vínculo entre o uso de robôs e as vantagens concedidas pelo Estado poderia ser estabelecido de modo que empresas que contribuam significativamente para o desenvolvimento social ou económico por meio da automação recebam incentivos ou benefícios fiscais.

CONCLUSÃO

Cada uma destas soluções fiscais apresenta benefícios e desafios. A chave para a sua concretização eficaz virá de um equilíbrio cuidadoso, entre incentivar a inovação e a automação, e proteger a força de trabalho (humana), mantendo a sustentabilidade das receitas fiscais públicas do Estado. A evolução constante do panorama tecnológico exigirá, assim, uma abordagem dinâmica e adaptável à formulação das políticas fiscais.

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Rogério Fernandes Ferreira
Marta Machado de Almeida
Álvaro Silveira de Meneses
Miriam Campos Dionísio
João de Freitas Jacob
José Nuno Vilaça
Joana Fidalgo Barreiro

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